Tenho 45 anos, trinta deles tenho lutado contra a Rússia

Publicado por: admin
15/09/2023 11:41:34
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comandante da Legião Georgiana Mamuka Mamulashvili/Foto de Kharkiv Media Hub
comandante da Legião Georgiana Mamuka Mamulashvili/Foto de Kharkiv Media Hub

A Legião Georgiana, liderada pelo seu comandante Mamuka Mamulashvili, tem lutado na Ucrânia contra os invasores russos desde 2014.

 

Esta unidade tornou-se a maior formação militar estrangeira que faz parte das Forças de Segurança e Defesa da Ucrânia.

 

O autor do material encontrou-se com Mamulashvili. Na primeira parte da entrevista, falaram sobre a infância do chefe da Legião Georgiana, por que escolheu o caminho militar e como a história de seus ancestrais o influenciou; sobre as guerras dos países agressores contra a Geórgia, a Chechénia, o Azerbaijão, a razão pela qual o viveiro de macacos de Sukhum foi destruído...

- Mamuka, conte-me sobre sua infância. Quem são seus pais ?

— Cresci em uma família de militares, mas meus avós também usavam uniforme com meu pai. Os ancestrais tinham uma atitude anticomunista, já que a maior parte da família foi baleada em 1921, durante a anexação da Geórgia pela Rússia. Então, apenas um menino sobreviveu - meu bisavô. Ele tinha 18 anos. Ele foi forçado a mudar seu sobrenome. Ou seja, o sobrenome que carrego agora não é o nosso histórico.

 

- E quem foram seus ancestrais? Por que os russos atiraram neles?

— Na Geórgia, assim como na Ucrânia, foram destruídos principalmente representantes de famílias principescas. A nossa família opôs-se muitas vezes à Rússia – quaisquer instruções e regras russas eram inaceitáveis ​​para os orgulhosos georgianos. E eles resistiram o melhor que puderam. É por isso que nós, minha irmã e eu, fomos criados desde a infância com a atitude de que a Rússia é um inimigo, nossa língua nativa é o georgiano, não o russo...

O bisavô adotou um sobrenome muito simbólico: Mamulashvili. Significa "Filho da Pátria" em georgiano. E nosso sobrenome verdadeiro é Bakradze.

 

- Mamika, quantos anos você tem?

- Quarenta e cinco. Trinta dos quais estou lutando contra a Rússia... Quando o conflito começou na Abkhazia, meu pai me levou para a guerra pela primeira vez. Foi minha primeira experiência militar. Lutamos por cerca de um ano. Naquela época, restavam 33 pessoas do batalhão e fomos capturados.

 

- Que tipo de captura? Você era uma criança!

— Sim, 14 anos. Fiz 15 anos numa prisão russa. Fui um dos primeiros a ser trocado e meu pai ficou preso por cerca de dois anos. Ele foi trocado somente após o fim da guerra. Ele se recusou a trocar até que todos os seus subordinados fossem libertados.

 

Seu pai pertencia a algum escalão de comando?

- Sim, ele é general do exército georgiano. Ele já estava então.

 

- O que aconteceu no cativeiro?

- Digamos assim, consegui um pouco menos que os presos adultos. Lembro-me que a maioria dos que nos venceram eram russos e arménios. Arménios que criaram eles próprios um grande batalhão na Abcásia e lutaram, infelizmente, contra a Geórgia. Foram os representantes do batalhão armênio que torturaram os prisioneiros.

 

- Você se sentou longe do seu pai?

- Estávamos em celas vizinhas, do outro lado da parede. Meu pai não recebeu água. Lembro-me de como ele fez um buraco na parede com um pedaço de pau, inseriu um tubo de papel nele e bebeu assim.

Fiquei sentado em uma enfermaria "especial" - assim se chamava, depois da qual fui transferido para uma família da Abkhaz, já que a Cruz Vermelha soube da situação do meu cativeiro. Houve uma boa atitude para comigo - não senti hostilidade, porque este conflito entre Abkhaz e Georgianos também foi criado pela Rússia.

Mas no terceiro dia da minha estadia com esta família, tentei fugir. E então fui transferido de volta para a cela. Eu estive lá quase o resto do tempo.

 

— Você pode compartilhar sua opinião sobre o conflito interétnico na Abkhazia? Como isso aconteceu? Há uma opinião de que a Rússia realmente interveio porque houve algum tipo de inimizade internacional.

— Este é exatamente o tipo de informação que a Rússia espalha. Ela desenvolveu esse conflito por muito tempo, isolou territórios e criou uma autonomia chamada República Autônoma de Adjara.

Mas as pessoas que vivem lá não são Abkhaz. Os Abkhazianos são uma das tribos georgianas. E aqueles que estão lá agora se autodenominam Abkhaz - tribos Absua Circassianas, que nada têm a ver com a Geórgia. Eles foram colonizados em seu território pelos russos.

 

— Que conhecimento profundo! Você é um fã de história?

- Sou diplomata de profissão. Estudei na Academia Diplomática de Paris, então precisava conhecer história e geopolítica. Além disso, foi fundamental para mim conhecer a história da Geórgia como terra natal dos meus antepassados.

 

O conflito na Abkhazia começou da mesma forma que se desenvolveu até 2014 no leste da Ucrânia – a Rússia realizou as mesmas ações lá. Ou seja, eles tentaram psicologicamente convencer os georgianos de que não têm nada em comum com os abkhazianos. Tudo isso se tornou uma “bomba-relógio”.

 

No início da década de 90 do século passado, os invasores russos usaram esta “bomba”, porque a Geórgia se tornou independente. E para controlar o meu país, eles acabaram de desenvolver este conflito russo-georgiano.

 

Há muito que me interesso pela questão de saber se existiam biolaboratórios no território do viveiro de macacos de Sukhum... Ouvi dizer que após a sua destruição os macacos foram simplesmente fuzilados, pois podem ser fonte de doenças perigosas. Talvez você saiba de alguma coisa?

- Acabamos de lutar no território deste canil. Cerca de 3.000 macacos escaparam de lá durante os bombardeios russos. E esses macacos, a maioria orangotangos, adaptaram-se ao clima local e ainda vivem nas florestas. Eles cresceram pelos, parecem pessoas. Mesmo à noite não valia a pena sair sozinho, pois os animais podiam matar e comer uma pessoa. É bastante provável que os cientistas soviéticos tenham realizado experiências com eles.

 

Mas, além disso, no território do berçário está localizado um objeto militar muito importante - é um laboratório sísmico. Há informações de que os russos, que apenas o controlam, podem usar explosões subterrâneas para causar um terremoto subterrâneo nos territórios de muitos países. Na verdade, muitos acreditam que esta foi uma das razões para tirar a Abkhazia da Geórgia.

 

- E como sua mãe reagiu ao fato de você ter pegado em armas aos quatorze anos?

- Ela sabia que meu pai estava me criando para ser soldado e aceitou com compreensão.

 

- O que aconteceu depois da captura?

— Após a captura, houve novamente preparação para a guerra. Quando eu tinha 17-18 anos, meu pai me enviou para a Chechênia para ajudar os chechenos. Tornamo-nos muito amigos dos representantes desta nação durante o cativeiro. Depois disso, me formei na universidade e fui estudar em Paris.

 

— Por que a formação de um diplomata?

— Para mim foi interessante do ponto de vista de estudar formas de fazer a guerra. Eu só precisava entender como as coisas funcionam na política. E no final cheguei ao ponto de que o método de diplomacia com a Rússia não funciona e continuei a lutar.

 

— Conte-nos sobre os acontecimentos na Chechênia.

— Depois de conhecer meu pai quando ele estava no cativeiro, os representantes desta gloriosa nação compreenderam que a Geórgia estava travando uma guerra por suas terras. Eles descobriram o que fizeram quando lutaram ao lado da Rússia contra a Geórgia. Eles compreenderam desde o momento em que souberam e viram que o general georgiano tinha levado o filho para a guerra.

E no início da guerra na Chechénia, o meu pai disse-me que era necessário ajudar os chechenos a lutar pela liberdade e independência da Rússia.

Estávamos sob o comando de um dos comandantes de campo. Mas eu não fiquei lá por muito tempo.

 

— Quando você chegou à Ucrânia pela primeira vez? Qual era o seu objetivo?

— Em 2013, participei no Campeonato Europeu de Artes Marciais Mistas, que decorreu na Ucrânia. Naquela época, não havia Maidan nem sinais de que algo aconteceria em breve.

 

Em 2014, fui à Copa do Mundo em Baku. E a seleção ucraniana não esteve na competição. E eu não assisto muita TV, então não entendi o que estava acontecendo.

 

Disseram-me então que um movimento de libertação tinha começado na Ucrânia. E quando já havíamos recebido a medalha, fomos à cerimônia de premiação com bandeiras ucranianas em sinal de apoio. Naquela época, queriam nos excluir da comunidade do MMA, já que era dirigida pela Rússia, mas não conseguiram. E mais tarde nós mesmos deixamos esta Federação e nos juntamos à organização britânica. E esta foi a nossa primeira ajuda à Ucrânia. Naquela época, lembro-me, muitas pessoas escreveram que os lutadores georgianos apoiavam a Ucrânia.

 

— O que você acha do conflito de Karabakh?

- Karabakh foi ocupada por armênios, assim como a Abkhazia foi ocupada por russos e armênios, infelizmente.

— Também com o apoio da Rússia?

- Sim claro.

 

Mas os acontecimentos ocorreram durante a época da União Soviética...

- Bem, naquele momento eram os restos dele. Mas a Rússia sempre soube quem apoiar no conflito. E, claro, ajudou os arménios a ocupar o Azerbaijão. Houve a mesma limpeza étnica que na Abkhazia. E graças a Deus, o Azerbaijão conseguiu devolver seus territórios.

 

— Você acha que a Geórgia, mais cedo ou mais tarde, recupera os territórios ocupados pela Rússia?

- Claro. As eleições terão lugar em breve - o povo georgiano deve fazer a sua escolha.

 

— Então, de fato, a Geórgia está a seguir o mesmo caminho que a Ucrânia estava a seguir antes de 2014?

— Sim, mas, ao contrário da Ucrânia, a Geórgia está a seguir este caminho pela terceira vez. O fato é que o meu país é a esfera de interesse da Rússia. Dado que a Geórgia tem influência sobre todo o Cáucaso, é essencial que a Rússia seja o “amigo da Geórgia que a mantém sob rédea curta”. A única coisa que pode mudar esta situação é o surgimento de um líder político que mudará alguma coisa.

Continua…

 

Por Oksana Ivanets  Correspondente do ExércitoInform

Com informações da Agência Armyinform (UA)

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