Por que filósofos se distanciam da vida vivendo?

Publicado por: admin
13/10/2021 08:30:11
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Cortesia Pexels
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Ricardo Pereira de Freitas Guimarães*

Não sou filósofo. Essa é a premissa maior do pequeno texto que segue. Contudo, ao observar o modo de vida da grande maioria deles, pontuaria algumas características que superam o simples fato de pensar a vida e os elementos por eles observados independente da corrente ou linha de pensamento. O viés da sempre e firme indagação de um fenômeno e a paixão por descortinar o que ali se esconde, acabam por endereçar às suas próprias vidas uma especial maneira de viver, a vida dita vivida. Essa especial maneira de viver - e diga-se que a expressão “a vida vivida” pode ou não significar a melhor das vidas -, em certa medida, acaba por se revelar em dois aspectos largos ao menos, bastante significativos, a saber: a convivência do filósofo com ele próprio e a sua convivência com a sociedade.

 

Começando pelo segundo aspecto, inerente a convivência do filósofo com a sociedade, aparentemente, o desdobramento se dá pela necessidade de conviver muitas vezes com o que é diametralmente oposto ao exercício desempenhado pelo filósofo. Por que? Isso se dá pois em regra a filosofia ao abrir espaço para o conhecimento justamente dessa relação e seus desdobramentos, com observância de correntes de pensamento e de formas de pensar desde a mitologia grega dos Jônios, passando por Platão, Aristóteles, Sócrates até Martin Heidegger e Hannah Arendt, para citar alguns pensadores apenas, permite a esses estudiosos a avaliação criteriosa (como deve ser a filosofia) com profundidade dos exemplos passados os trazendo para o presente e porque não imaginando o futuro pelo ciclo que teima em se repetir, ao menos nas estruturas de poder.

 

Entre os diversos espaços que habitam os pensamentos desses filósofos, como o reconhecimento do homem e suas experiências existenciais, a observação das consequências das organizações de Estado, as estruturações do tecido social, a existência ou não do divino, as aporias, entre outros tantos, unindo isso em espaço e tempo com máxima fidelidade a historicidade, procurando por vezes se colocar no lugar do outro que escreveu para tentar sentir o regozijo ou a angústia daquele momento os fazem pessoas diferentes.

 

E aqui, seria importante deixar claro, que todas as pessoas são diferentes, e a diferença que citamos se localiza e tem como objeto central o liame da busca pelo conhecimento e (re)conhecimento de si que cada filósofo possui. Noutras palavras, através de experiências de narrativas lidas com profundidade e realmente estudadas, essas mesmas narrativas como que num processo de “osmose intelectual” (me perdoem a expressão) acabam de certa maneira perpassando da consciência filosófica para a vivência do próprio filósofo.

 

Se verdade é que o conhecimento liberta, no campo da filosofia ele parece libertar vezes dois. Isso se dá, principalmente, na minha ótica, pela já citada caminhada na contramão do mundo. De toda essa experiência de compreensão buscada pelo filósofo, acaba por lhe ser incrustado inúmeras formas de agir, algumas vezes sedimentadas em valores absorvidos ao longo da vida. Referidos valores somados aos profundos estudos, acabam por diversas vezes revelando uma antevisão através de sinais dados pela sociedade e principalmente pelo Estado do que está por vir, e noutras oportunidades a certeza do conflito direto entre os valores ou sentido da vida estabelecido a fórceps para a sociedade, que destoa em gênero, número e grau daquilo já absorvido ou apreendido, para melhor dizer, pelo filósofo.

 

Aqui reside o ponto alto, a quase absoluta certeza (com perdão da expressão que nada tem de filosófica, pelo contrário, é para ser criticada mesmo) do que se quer alcançar pelo conhecimento, cria num só tempo algumas consequências: a primeira, seria a repugnância da maioria pela opção de discordar, uma espécie de ser subversivo, portanto, socialmente muitas vezes rejeitado. Muitos seriam os exemplos como o próprio consumismo, que sabemos todos é ao tempo todo e a todo tempo inserido como benfazejo social, ou ainda, a própria riqueza financeira, que cria a expectativa da plena felicidade, do ter o que quiser como o nirvana a ser alcançado.

 

Essas questões são muitas vezes enfrentadas pessoalmente pelo filósofo com certa tranquilidade, mas veja, eu disse pelo filósofo, e não muitas vezes por sua prole ou ainda pelos que o circundam. Aqui talvez resida o que eu chamaria de uma “baita dificuldade”, que é transferir aos outros na exata medida os equívocos observados pelo filósofo ao longo de anos de estudo para alguém que simplesmente nunca abriu um livro ou nunca se ocupou de qualquer daqueles temas. Aqui se mostra o exercício da filosofia como ponte para o outro humano e não como holofote de si mesmo.

 

Observe que ao dizer que a filosofia deve ser ponte para o outro, talvez esteja relatando que a vivência do filósofo é para seu prazer enquanto o prazer de conhecer os fatos, estudar as questões, contudo, a utilidade fim se bifurca em duas hipóteses, sendo a primeira a ponte para a compreensão do outro, noutras palavras, viver para ensinar o outro para que tenha conhecimento e que para tanto pensado a vida possa buscar sua felicidade, e de outro lado, sem que talvez os próprios filósofos percebam, eles são pontes de si mesmos, pois seus conhecimentos, em especial da finitude terrena, os tornam mais fortes, os dá sede de viver o instante, e de viver com o que importa, e o que importa não é o que colocaram nas suas mentes, e sim, tudo aquilo que eles consagraram para suas vidas como importante através do estudo, conhecimento e de seu aprendizado, o que os torna seguros.

 

Em outras palavras, na Filosofia encontramos cada um a seu modo, através dos filósofos que são nossas pontes de conhecimento, uma vivência com todos seus problemas, mas uma vivência com uma retaguarda assertiva quanto aos nossos propósitos, quanto ao nosso querer, sabendo a todo tempo ou ao menos tentando saber, a que viemos e para que viemos, tendo certeza da nossa finitude e que o mundo não é a “Disneylândia da vida”, e que o que temos de mais importante é o instante vivido. Nesse sentido o distanciamento dos filósofos não é da vida comum que é posta em leilão pela mídia e pelo Estado, a vida na Filosofia é a vida que se escolhe viver. E quando você escolhe a vida que quer viver, ela é vida e não apenas uma torcida pelo passar do tempo.

 

Espero que no sentido estrito do presente texto, torço para que todos nós em certa medida possamos reconhecer a real felicidade de viver, até porque como disse Gramsci “Todo homem é um filósofo”, aprofundemos então esse convite que nos faz o pensar diariamente.

 

*Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é advogado, especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISP-SP

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