Remdesivir: de droga milagrosa a negócio milionário com “muito, muito mau aspecto”

Publicado por: admin
31/10/2020 11:22:20
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Apresentado como único medicamento anti-viral eficaz no combate à covid-19, foi o primeiro medicamento aprovado pela FDA, regulador farmacêutico americano, no tratamento da doença. Agora, a sua eficácia é contestada — e os negócios milionários à sua volta, dos Estados Unidos a Portugal, levantam dúvidas.

 

Em maio deste ano, a reguladora norte-americana Food and Drug Administration autorizou o uso condicional do remdesivir, desenvolvido pela farmacêutica Gilead, para o tratamento de covid-19, depois de um estudo ter sugerido que o medicamento reduzia o tempo de internamento hospitalar de infetados com o vírus.

 

O medicamento tem desde então sido usado generalizadamente em todo o mundo, em pacientes hospitalizados com covid-19, mesmo que não se encontrem dependentes de ventiladores para respirar. Milhares de infetados norte-americanos receberam o tratamento, incluindo o presidente Donald Trump. Em julho, já 133 pacientes tinham sido tratados com remdesivir em Portugal.

 

Em junho, a Agência Europeia do Medicamento recomendou a aprovação condicional do remdesivir na Europa, e em julho a Comissão Europeia deu luz verde à comercialização do antiviral, que se tornou assim o primeiro medicamento autorizado ao nível da União Europeia para tratamento da Covid-19.

No entanto, ao contrário das expectativas iniciais geradas pelo medicamento, o remdesivir parece não ser capaz de reduzir as mortes entre os pacientes com covid-19. De acordo com um estudo patrocinado pela OMS, o remdesivir não tem “impacto significativo” nos doentes com covid-19.

 

O estudo, publicado a 15 de outubro no medRxiv, envolveu mais de 11.200 pessoas de 30 países diferentes, que foram tratadas com remdesivir, hidroxicloroquina, lopinavir e Interferon-β1a, e concluiu que nenhum medicamento reduziu as mortes entre os pacientes — nem a necessidade de recorrerem a ventilador.

 

Segundo se conclui do estudo, o “remdesivir não tem nenhum impacto significativo na sobrevivência” à covid-19, diz Martin Landray, professor de medicina e epidemiologia da Universidade de Oxford.

 

Suspeitas e controvérsias em negócio milionário

A 22 de outubro, uma semana após a divulgação do estudo, e apesar das suas conclusões, a FDA concedeu à Gilead autorização plena para uso do remdesivir em pacientes hospitalizados com covid-19.

 

Na mesma data, em Portugal, a Direção-Geral da Saúde anunciou que nos próximos seis meses irá adquirir mais de 100.000 frascos de remdesivir, com a designação comercial Veklury, para tratamento de doentes com covid-19. Com a compra, o Governo “pretende cobrir as necessidades assistenciais dos doentes” entre outubro de 2020 e março de 2021.

 

A decisão foi tomada em Conselho de Ministros e anunciada pela ministra da Saúde, Marta Temido, que explicou que “a aquisição de mais de cem mil frascos” terá um custo de cerca de 35 milhões de euros, uma vez que cada um custa 345 euros.

 

Entretanto, esta quarta-feira, a Gilead Sciences anunciou que o medicamento antiviral rendeu à fabricante, no terceiro trimestre do ano, 766 milhões de euro. Com as vendas do remdesivir, o grupo viu o seu volume de negócios trimestral aumentar 17%, para 6,58 mil milhões de dólares. A empresa voltou também a ser rentável.

 

Estes resultados financeiros terão sido fortemente influenciados pelos acordos que os Estados Unidos e a União Europeia celebraram com a biofarmacêutica — negócios que, realça o jornal Público, se encontram “no centro de uma complicada discórdia“.

 

A polémica chegou às páginas da revista Sience, que esta quarta-feira dedica ao assunto um artigo com o título de “O muito, muito mau aspeto” do remdesivir, o primeiro medicamento contra a covid-19 aprovado pela FDA“.

 

Estranho caso dos €35 milhões por um medicamento que não funciona, realça também a Sábado, que questiona a aposta de Marta Temido no antiviral — uma decisão anunciada após o estudo que questiona a sua eficácia, quando em 5 meses apenas 133 doentes foram tratados em Portugal, e adquirido a uma empresa “com que a atual ministra da Saúde já se cruzou várias vezes no seu passado nas administrações hospitalares”.

 

Segundo algumas fontes citadas pela Science, a empresa farmacêutica já tinha sido informada a 23 de Setembro das conclusões preliminares do estudo, mas, discordando dos seus resultados, terá optado por não os divulgar aos responsáveis que negociaram o acordo pela UE.

 

Em nota à imprensa, a 16 de outubro, a Gilead diz ter tomado conhecimento de que “os resultados iniciais do Estudo Solidarity, promovido pela OMS, foram tornados públicos antes de serem divulgados numa publicação revista por pares“.

 

“Os dados apresentados parecem inconsistentes com a evidência mais robusta proveniente de vários estudos aleatórios e controlados, divulgados em publicações revistas por pares, que validam o benefício clínico do remdesivir”, sustenta a empresa no comunicado.

 

Certo é que independentemente da eficácia do medicamento, inicialmente desenvolvido sem sucesso contra a febre hemorrágica do Ébola, o antiviral continua a ser administrado de forma generalizada pelas entidades hospitalares no tratamento da covid-19. Na ausência de qualquer alternativa com eficácia comprovada, parece ser entendimento médico que, se o remdesivir não funcionar, pelo menos mal não fará.

 

E certo é também que, enquanto a eficácia do medicamento não for comprovada, governantes e responsáveis de saúde pública em todo o mundo serão sempre confrontados com um dilema intemporal. Presos por ter cão, e presos por não ter.

 

Fonte: Planeta ZAP //

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