A medida do Atentado no CPC de 2015

Publicado por: admin
03/08/2019 10:58:12
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I - O ATENTADO NÃO É MEDIDA DE URGÊNCIA CAUTELAR 

Na lição de Dias Ferrreira (Código Civil português anotado, volume II, pág. 39) “no atentado, trata-se unicamente de castigar o desprezo do réu pelo embargo feito na obra nova, quer o embargo tivesse sido feito judicialmente ou extrajudicialmente”.

 

Dizia o Código de Processo Civil  de 1973 revogado:

Art. 879. Comete atentado a parte que no curso do processo:

I - viola penhora, arresto, sequestro ou imissão na posse;

II - prossegue em obra embargada;

III - pratica outra qualquer inovação ilegal no estado de fato.

 

Para Galeno Lacerda(Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, volume VIII, tomo II, n. 189) constitui atentado toda inovação legal no estado anterior da lide, cometida pela parte e lesiva ao interesse da parte que o sofre.

 

Nessa linha proposta tinha-se o Código de Processo Civil de 1939 que estabelecia os seguintes requisitos:

 

a)       Existência de uma lide pendente;

b)      A existência de um ato que inove o estado anterior da lide;

c)       Que tal inovação seja contrária ao direito;

d)      Que o autor da ação de atentado haja sofrido uma lesão em virtude de uma inovação legal, cometida contra o “íntegro litispendente”.

 

Assim seria necessário que houvesse uma lide pendente,  o que limita sua caracterização ao período que vai da citação válida até o momento em que a relação processual seja extinta, com ou sem julgamento do mérito com produção de coisa julgada formal.

 

Atentado é agir contra alguém ou alguma coisa , ou seja, agir de forma a lesar alguém.

 

 Sua natureza é tipicamente satisfativa, reparatória,  não cautelar.

 Ovídio A. Baptista da Silva(Curso de Processo Civil, volume III, 2ª edição, pág. 359) disse que a ação de atentado não é cautelar. E efetivamente não o é. Em primeiro lugar, por ser o atentado uma medida de natureza repressiva e não preventiva. Em segundo lugar, não é cautelar o atentado por conter declaratoriedade suficiente para obtenção da coisa julgada material sobre o ilícito processual reconhecido pela sentença de procedência. Ademais, não tem o atentado a natureza de medida provisória. A tutela no atentado é satisfativa.

 

A ação de atentado é  o ato voltado a corrigir, separar a reparar a situação fática, retornando-a ao status quo (estado anterior).

 

Somente as partes praticam atentado, ainda que por meio de outra pessoa, sob sua ordem.

 

Na legislação processual anterior o atentado era visto como ação, no campo das ações cautelares, algo que ele não é. 

 

II - O ATENTADO E A AFRONTA À JUSTIÇA: A TUTELA DE EVIDÊNCIA 

 

O novo CPC de 2015 trata a medida como nítida de tutela de evidência, salvo melhor juízo, cujo caráter executivo é evidente. 

 

Veja-se o artigo 77 do novo diploma legal: 

 

Art. 77.  Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

 

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;

III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;

IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;

VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.

§ 1o Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.

§ 2o A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

§ 3o Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2o será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.

§ 4o A multa estabelecida no § 2o poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1o, e 536, § 1o.

§ 5o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2o poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.

§ 6o Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2o a 5o, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.

§ 7o Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2o.

§ 8o O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.

Observe-se que a aplicação de multa por litigância de má-fé prescinde da comprovação de dano processual em decorrência do recurso interposto. Com esse entendimento, os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitaram por maioria um recurso do Banco do Brasil que questionava a multa aplicada. Tal posição é vista no julgamento do REsp 1.628.065. 

 

A medida é consequência da violação dos deveres das partes e deve ser tomada dentro de uma tutela de evidência e não por tutela provisória de urgência, seja cautelar ou meramente satisfativa.  

 

Observe-se o inciso VI do artigo 77 acima transcrito: a parte não poderá praticar inovação no curso do processo. Assim o fazendo praticará atentado, que é providência processual punitiva uma vez que a parte faltará a um dever processual, algo que se distingue da obrigação ou do ônus processual. Há no dever processual uma ideia de definitividade de atividade que a parte deve ter durante o feito; ou seja: o respeito à justiça e à dignidade do processo. Anote-se, mais uma vez, o parágrafo sétimo: Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2o.

 

Há ainda uma tutela de evidência, onde se vê atividade abusiva da parte, dispensando-se a comprovação do perigo de demora. 

 

Com a decisão, em sede de tutela  de evidência, poder-se-á pensar em execução que será provisória, sujeita à caução e a responsabilidade civil objetiva da parte que promove tal forma de execução

 

Há atribuição  de definitividade à decisão de tutela da evidência. De fato, trata-se de sentença (ainda que parcial) de mérito decorrente de cognição exauriente, portanto apta a se estabilizar e propiciar atividades executivas.

 

Na tutela de aparência, ao contrário,  busca-se o provável não a certeza.

 

O artigo 303, parágrafo sexto, do novo Código de Processo Civil atesta-se que a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2o deste artigo. Isso porque qualquer das partes poderá solicitar a revisão da decisão concedida por conta de uma tutela de urgência(parágrafo segundo), mas esse direito de rever, reformar, invalidar a tutela antecipada(hipótese de tutela de urgência) extingue-se após 2(dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do parágrafo primeiro daquele dispositivo, dando-se a chamada preclusão pro iudicato.


O Código de Processo de 2015 buscou o que chamamos de efetividade do processo, algo que se tem no direito positivo brasileiro, a partir de dezembro de 1994, com a redação que se deu àquela época ao artigo 273 do CPC de 1973 e se buscou a verdadeira dicotomia entre a tutela de urgência cautelar e a tutela de urgência satisfativa.

Fala-se ainda em segurança-da-execução futura propriamente(de natureza cautelar), diversa da execução-para-segurança, como se vê em liminares(provimentos concedidos de início)  no mandado de segurança e nas ações civis públicas e coletivas, quando temos uma tutela satisfativa, de natureza antecipatória, surgindo uma execução antecipada.

 

A medida de atentado, que não é cautelar, se põe no ordenamento processual de 2015, como tutela de evidência. Ela  envolve situações em que se opera mais do que o fumus boni iuris, aliada à injustificada demora ao longo de todo o processo ordinário até a satisfação do interesse do demandante, com grave desprestígio para o Poder Judiciário, porquanto injusta a espera determinada.

 

Não  quis o legislador dispensar a plausibilidade do direito (exigência geral expressa no caput do art. 283), mas confirmar a dispensa de situações de perigo para o direito como supostos requisitos da antecipação, visto que a celeridade na tutela do direito evidente é em si mesma um bem digno de proteção. É medida antecipatória punitiva. 

 

O inciso III do art. 285 do Anteprojeto autorizava  a tutela provisória quando prova documental irrefutável demonstre o direito alegado, sem que o réu oponha prova igualmente inequívoca.

 

Ensinou o ministro Luiz Fux(Tutela antecipada e locações, pág. 72) que a expressão tutela de evidência vincula-se àquelas pretensões deduzidas em juízo nas quais o direito da parte revela-se evidente, tal como o direito líquido e certo que autoriza a concessão do mandado de segurança.

 

São situações em que se opera mais do que o fumus boni iuris, mas a probabilidade de certeza do direito alegado, aliada à injustificada demora que o processo ordinário carreará até a satisfação do interesse do demandante, com grave desprestígio para o poder judiciário, posto que injusta a espera determinada.

 

Em resumo, a tutela sumária cautelar funda-se na aparência e a tutela sumária satisfativa na evidência.

 

Mas é o material probatório fornecido com a postulação de "tutela urgente" que vai indicar da "evidência do direito".

 

Já previa o artigo 278 do PL: 

 

“A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação”. O texto deixa claro que a urgência não é um pressuposto para a obtenção de tutela quando baseada na evidência, eliminando assim uma possível interpretação equivocada na combinação do caput do atual art. 273 com seu inciso II e § 5°.

 

Sob o ângulo civil, o direito evidente é aquele que se projeta no âmbito do sujeito de direito que postula. Sob o prisma processual, é evidente o direito cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou ao menos impassíveis de contestação séria.

 

Por outro lado, entenda-se que satisfazer tardiamente o interesse da parte em face da evidência significa violar o direito maior ao acesso à justiça e, em consequência, ao devido processo instrumental à justiça requerida.

 

Isso porque o acesso à justiça para não se transformar em mera garantia formal, exige efetividade.

 

Se há casos, no processo, em que a incerteza é evidente, há casos em que o direito é evidente. Para esses a tutela há de ser imediata.

 

Na tutela de evidência, satisfaz-se, ordena-se e realiza-se o direito do vencedor, através dos meios executivos.

 

Essa imediatidade da realização do provimento indica que se está no plano da execução, da satisfação, na efetivação da tutela de evidência, com base em decisão ainda passível de recurso.

 

Ora, essa satisfatividade, como indicou o ministro Luiz Fuz, afina-se com a ideia de execução definitiva, aquela que no plano prático confere in natura o que o exequente obteria se a obrigação tivesse cumprimento integral. Adota-se algo similar ao modelo de contempt, como já acentuara Aldo Frignani(L'injuction nella common law e l'inibitoria nel diritto italiano, 1974).

Autor: Rogerio Tadeu Romano

Fonte Originária: JUS

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